É tempo de clássico. É sempre tempo de fazer e contar a história

É tempo de clássico. É sempre tempo de fazer e contar a história
É tempo de Classico, Tempo de fazer e contar hhistórias do confronto máximo, em Minas Gerais. Tempo de Atletico x Cruzeiro

Sábado é dia de clássico. Desde que me entendo como gente, me apaixonei pelo futebol e, em particular, idolatrei um time preto e branco e me senti capturado para sempre por este sentimento, aprendi que existem histórias e estórias e que fazer e contar a história é missão inerente à atleticanidade.

Este sentimento de pertencimento, intenso, poderoso e indelével, se explica e vem se manifestando ao longo dos tempos por meio de ações e reações que só os atleticanos são capazes de ter. “O atleticano precisa ser estudado”, “O atleticano é surreal, é bizarro”, “Coisas de atleticano”, “Isso é atleticanidade”, são as expressões que, recorrentemente, ilustram as demonstrações de paixão que só um Galista é capaz de fazer.

A história do Atlético e, particularmente, do hoje conhecido e chamado superclássico é recortada de narrativas, “causos”, fatos, alguns verdadeiros, outros nem tanto, e lembranças, algumas de feliz recordação para a massa alvinegra, outras de triste lembrança. Há razões de sobra para zoar e, cá entre nós, também para ser zoado.

Embora a grande mídia e os torcedores atuais se fixem particularmente na história moderna do esporte, onde há um certo equilíbrio entre os dois maiores rivais do futebol mineiro e as conquistas do time azul são geral e intencionalmente mais destacadas e repercutidas, o atleticano, ainda que muitos não percebam o quanto, tem muito mais razões e motivos para comemorar do que o torcedor azul.

A história é quase sempre contada de formas diferentes. Em se tratando de uma guerra, por exemplo, existem no mínimo três versões, a dos vencedores, a dos vencidos e aquela outra, vista de fora, que talvez esteja mais próxima da verdade e na qual você pode encontrar, além de partes das duas outras visões, uma narrativa possivelmente independente e se deparar com fatos omitidos ou contados de forma diversa por um lado ou pelo outro ou ainda por ambos.

Por razões várias a história do futebol também comporta perspectivas, entendimentos, ângulos, olhares, cenários e pontos de vista diferentes. A história do Atletico, então, foi sempre muito mal contada. Além do próprio clube nunca ter conseguido contar a sua história como deveria, os veículos de comunicação em geral também nunca trataram a história do Atlético com o devido cuidado e respeito. Existem histórias e estórias.

Quem conta um conto sempre aumenta um ponto e, uma história, contada de boca em boca, ao final de um tempo acaba se tornando uma narrativa completamente diferente da original. Por isso, além de buscar a informação contida na oralidade, os historiadores pesquisam documentos, alfarrábios, registros culturais e arqueológicos, jornais antigos e até papiros e hieróglifos. Por isso, sabemos que o futebol moderno, organizado e estruturado pelos ingleses, tem origem em esportes praticados há muitos e muitos anos na Ásia e na América Central.

Quando se fala por aí que foi o time da Toca quem primeiro mostrou para o mundo o futebol das Gerais quando conquistou a Taça Brasil em 1966, falta-se com a verdade. Quem de fato abriu para o futebol mineiro o caminho de todos os continentes foi o Atlético ao conquistar o título de Campeão dos Campeões em 1937, ao ser o primeiro clube mineiro a realizar e vencer um jogo internacional, ainda no velho Estádio Antônio Carlos, ao ser o primeiro clube mineiro a ceder um jogador para a seleção brasileira e ao ser o primeiro clube latino-americano a pisar e a jogar em gramados europeus na mítica e vitoriosa excursão do Gelo em 1950.

E, como não poderia ser diferente, existem divergências em relação aos números do maior derby mineiro, segundo as contagens do Atlético e do rival azul. Ainda assim e, mesmo com números diferentes, os dois clubes apontam o Galo como o maior vencedor do confronto, dono da maior goleada (9 x 2) e o time que mais marcou gols. Há controvérsias também em relação aos empates.

Desde sempre vi e ouvi que clássico é clássico e não tem favorito. De repente, percebi também que, para muitos, vale tudo para conseguir a vitória. Para mim o que vale é derrotar o vento como a Massa já fez inúmeras vezes, é amarrar as chuteiras dos jogadores com as suas próprias veias como o atleticano faz como nenhum outro torcedor.

Para mim o que vale são as bizarrices e as demonstrações de atleticanidade que iluminam o nosso imaginário, nos fazem gargalhar, entender e nos identificar com o maluco que, por exemplo, fugiu do leito de um hospital ou deixou de acompanhar a mulher à maternidade no momento do parto e do nascimento de seu próprio filho ou, ainda, abandonou o velório da própria mãe para ver um jogo do Galo.

Para nós atleticanos é também perfeitamente compreensível que aquele noivo tenha se atrasado mais duas horas para chegar à Igreja onde se iria casar, simplesmente porque não conseguiu deixar de ver um jogo do Atletico que era realizado no mesmo momento em que a cerimônia estava marcada.

E o que falar daquela noiva cujo véu era preto e branco e a cauda do vestido era, na verdade, uma linda bandeira onde reluzia o escudo atleticano? Alguém saberia me explicar por que todo ruído, seja de algo caindo ou se quebrando, seja de fogos de artifícios, é acompanhado de um sonoro grito de Galôôô?

Como condenar aquele velho e saudoso atleticano que passou os últimos 40 anos de sua vida sem pronunciar a palavra Cruzeiro? Você chamaria de louco aquele outro atleticano que, há vários anos, se recusou a trocar a sua velha televisão preto e branca por uma colorida porque não queria ver o azul?

Quem censurou o padre que, durante a celebração de uma Missa, parou o culto e perguntou se alguém sabia o placar de uma partida do Atlético que era jogada naquele momento? E quem o recriminou quando ele gritou Galôôô ao saber que o time da Colina de Lourdes já vencia por dois a zero?

Quem chama de louco aquele torcedor que caminhou mais mil quilômetros a pé para ver o Galo jogar? Quem não compreende aquele outro galista que já deixou de comer ou já vendeu a própria roupa do corpo para ter o dinheiro para comprar o seu ingresso?

Se é e já foi muito doído perder jogos, títulos e, principalmente clássicos em razão do vale tudo, materializado por erros crassos da arbitragem, intencionais ou não, decisões de tribunais esportivos, alterações casuísticas de regulamento com as competições em andamento, mudanças de mando campo e suspensões fortuitas, a resposta do atleticano tem que ser dada no próximo e em qualquer clássico nas arquibancadas e dentro de campo.

As previsões da taróloga Mariana Fonseca, do canal MF Tarot, no YouTube e objeto de matéria do site No Ataque, são bastante curiosas, além de trazerem um detalhe bastante interessante. A sensitiva alerta para a possibilidade de tumulto, brigas entre os jogadores e intervenção do VAR. E, ainda que ela diga que o adversário pode cair em uma armadilha, o contrário não pode e nem deve ser descartado. Atlético, todo o cuidado é pouco.

Por isso e, mais do que nunca, jogadores e torcedores têm que entender o papel de cada um como agentes da história do clube. É sempre tempo de contar, recontar e, claro, de fazer a história do Atlético. E a história vencedora e gloriosa do Galo é aquela feita e escrita com paixão e entrega. Mas, também com inteligência, cuidados, foco e equilíbrio. As estórias, por sua vez, ficam para os inimigos e os amigos da fantasia.

Fotos: Pedro Souza/Atlético 
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Max Pereira

Atleticano e humanista. Um povocador nato. Engenheiro e Auditor Fiscal aposentado. Escritor nas horas vagas.