Sem a Massa, o Galo sequer existiria

Sem a Massa, o Galo sequer existiria
Sem a Massa, o Galo sequer existiria, essa é a lição das Arquibancadas

Patrimônio é o conjunto dos bens, direitos e obrigações economicamente apreciáveis, pertencentes a uma pessoa ou a uma empresa. É também a herança familiar. No caso de um clube de futebol o seu maior patrimônio pode ser definido pelo binômio identidade e pertencimento. No caso do Atlético, então… .

Com o advento da figura do clube-empresa no futebol e, mais recentemente da Sociedade Anônima do Futebol, regrada pela Lei 14.193/21, o esporte bretão nestas terras tupiniquins vem passando pela mais radical transformação de sua história.

Mais do que uma simples mudança de modelo societário, a presença de empresas de capital aberto ou fechado no futebol como titulares do direito de competição modifica substancialmente a prática do esporte e as relações institucionais, comerciais e jurídicas com e entre os mais diversos agentes que fazem parte ou se interagem habitualmente na chamada indústria do mundo da bola.

O § 2º do art. 1º da Lei 14.193/21 prescreve que o objeto social da Sociedade Anônima do Futebol poderá compreender as seguintes atividades:

I – o fomento e o desenvolvimento de atividades relacionadas com a prática do futebol, obrigatoriamente nas suas modalidades feminino e masculino;

II – a formação de atleta profissional de futebol, nas modalidades feminino e masculino, e a obtenção de receitas decorrentes da transação dos seus direitos desportivos;

III – a exploração, sob qualquer forma, dos direitos de propriedade intelectual de sua titularidade ou dos quais seja cessionária, incluídos os cedidos pelo clube ou pessoa jurídica original que a constituiu;

IV – a exploração de direitos de propriedade intelectual de terceiros, relacionados ao futebol;

V – a exploração econômica de ativos, inclusive imobiliários, sobre os quais detenha direitos;

VI – quaisquer outras atividades conexas ao futebol e ao patrimônio da Sociedade Anônima do Futebol, incluída a organização de espetáculos esportivos, sociais ou culturais;

VII – a participação em outra sociedade, como sócio ou acionista, no território nacional, cujo objeto seja uma ou mais das atividades mencionadas nos incisos deste parágrafo, com exceção do inciso II.

Já os incisos I e II do § 1º do art. 1º da referida Lei da SAF determinam, respectivamente, que a Sociedade Anônima do Futebol sucede obrigatoriamente o clube ou pessoa jurídica original nas relações com as entidades de administração, bem como nas relações contratuais, de qualquer natureza, com atletas profissionais do futebol e que aquela (SAF) terá o direito de participar de campeonatos, copas ou torneios em substituição ao clube ou pessoa jurídica original, nas mesmas condições em que se encontravam no momento da sucessão, competindo às entidades de administração a devida substituição sem quaisquer prejuízos de ordem desportiva.

Uma vez que a SAF atleticana foi constituída nos termos do inciso II do art. 2º, i.e., pela cisão do departamento de futebol do clube ou pessoa jurídica original e transferência do seu patrimônio relacionado à atividade futebol, o clube se obrigou a observar a exegese dos incisos I e II do § 2º que dispõem o seguinte:

I – os direitos e deveres decorrentes de relações, de qualquer natureza, estabelecidos com o clube, pessoa jurídica original e entidades de administração, inclusive direitos de participação em competições profissionais, bem como contratos de trabalho, de uso de imagem ou quaisquer outros contratos vinculados à atividade do futebol serão OBRIGATORIAMENTE transferidos à Sociedade Anônima do Futebol;

II – o clube ou pessoa jurídica original e a Sociedade Anônima do Futebol deverão contratar, na data de constituição desta, a utilização e o pagamento de remuneração decorrente da exploração pela Sociedade Anônima do Futebol de direitos de propriedade intelectual de titularidade do clube ou pessoa jurídica original;

Para muitos atleticanos o fato de o Atlético agora ter dono, i.e., aquele Atlético que agora entra em campo vestindo o manto sagrado, disputando jogos e campeonatos, ser uma empresa, colocou a sua relação com o clube do coração em xeque.

No mundo corporativo toda e qualquer empresa se relaciona com clientes e não com torcedores. O espectro cultural brasileiro, não muito diferente de alguns outros países, onde o futebol também é um fenômeno popular, fomentou e estabeleceu uma relação clube-torcida que em nada se identifica com a relação empresa-cliente.

A atleticanidade, em particular, tem como pilar um sentimento de pertencimento ímpar de mão dupla. “Nós somos do Clube Atlético Mineiro, nós somos Campeões dos Campeões e do Gelo, somos orgulho do esporte nacional, honramos o nome de Minas no cenário mundial, Clube Atlético Mineiro, uma vez até morrer”, são alguns fragmentos do hino de Vicente Mota que expressam esse sentimento com maestria.

Nós e o Galo somos e nos tornamos uma coisa só. Não à toa a Massa já venceu o vento mais de uma vez. Mais do que natural, portanto, esse conflito de sentimentos e de emoções que vem incomodando um número cada vez maior de torcedores. Mas, aqui um alerta:

Ao mesmo tempo em que foi cozida no sol e na chuva, na vitória e na derrota, a atleticanidade sempre esteve envolta na mística do sofrimento, algo curtido de forma perigosamente masoquista pelo seu torcedor e explorado de forma vil e covarde pelos inimigos do clube.

E não é só isso. Os altos preços praticados pelo clube (ingressos, estacionamento, camisas, souvenirs), a elitização do futebol com a consequente exclusão do povão das arenas, a péssima comunicação institucional, a absoluta falta de transparência e o total alijamento de seu sócio torcedor da vida intestina do clube, na contramão da maioria dos clubes brasileiros que garantem aos seus diversos tipos de associados fóruns e voz para participarem, se manifestarem, opinarem e exercerem poder de veto sobre os destinos da agremiação, inclusive da própria SAF se constituída, são, também, alguns dos fatores que estão levando muitos atleticanos a questionar sua relação com o Glorioso.

Quem não se comunica, se “trumbica”, dizia o velho Chacrinha, mestre e doutor em comunicação. Há um nítido distanciamento do clube, enquanto SAF, do seu torcedor raiz. E a deficiente comunicação, dentre outros fatores, está na raiz desse fenômeno. Um caldeirão que não se incendeia, assim tem sido a Arena.

Enfim, a relação clube-cliente que as SFA’s querem estabelecer e explorar é delicada, explosiva, violentadora de um sentimento que sempre foi a seiva vital dos clubes. Aquilo que foi construído nas arquibancadas e gerais vale mais que ouro, é inalienável e jamais poderá ser corrompido e/ou substituído.

A própria Lei da SAF, no § 4º do art. 2º, estabelece que, além de outras matérias previstas no estatuto da Sociedade Anônima do Futebol, depende da concordância do titular das ações ordinárias da classe A, ou seja, do clube originário, independentemente do percentual da participação no capital votante ou social, a deliberação, em qualquer órgão societário, sobre as seguintes matérias:

I – alteração da denominação;

II – modificação dos signos identificativos da equipe de futebol profissional, incluídos símbolo, brasão, marca, alcunha, hino e cores; e

III – mudança da sede para outro Município.

E, para não deixar dúvida nenhuma em relação à defesa dos direitos pétreos da associação que deu origem à SAF, o § 6º do mesmo artigo, determina que depende de aprovação prévia do clube ou pessoa jurídica original, que é titular de ações ordinárias da classe A, qualquer alteração no estatuto da Sociedade Anônima do Futebol para modificar, restringir ou subtrair os direitos conferidos por essa classe de ações, ou para extinguir a ação ordinária da classe A.

Sem a Massa o Galo sequer existiria. Essa é a lição das arquibancadas. Afinal, nós somos o Clube Atlético Mineiro e criar âncoras e defender os direitos, a identidade e a história do clube é também defender a nossa atleticanidade. É alimentar e solidificar este sentimento inigualável de pertencimento que nos move, nos vivifica, nos alimenta.

Fotos: Pedro Souza/Atlético
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Max Pereira

Atleticano e humanista. Um povocador nato. Engenheiro e Auditor Fiscal aposentado. Escritor nas horas vagas.

Um comentário em “Sem a Massa, o Galo sequer existiria

  1. Parabéns! Que a sua voz chegue aos atuais mandatários e se transforme em mudanças que resgatem a Massa na relação.

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