O périplo de Milito

O périplo de Milito
O périplo de Milito: Uma jornada que se inicia em meio a uma decisão e a uma estréia na Copa Libertadores

Para muitos Gabriel Milito representa uma ruptura radical com o jeito Felipão de jogar. Para outros uma aposta. De comum, o receio e a certeza de tantos quantos conhecem o Atlético, de que, mais cedo ou mais tarde, o jovem e carismático treinador argentino, a exemplo de vários de seus antecessores, brasileiros ou não, será também imolado e fritado.

Não, não se trata de um pessimismo passional ou patológico. É um sentimento resultante de um histórico infeliz e, até hoje, imutável. Mas, será que imaginar que desta vez pode ser diferente é apenas um rasgo de otimismo ingênuo e estúpido de um sonhador apaixonado por este Galo maluco e esquizofrênico? É o que, ainda que para muitos possa ser uma rematada parvoíce, pretendo discutir neste ensaio.

Milito inicia uma jornada em solo tupiniquim que tanto pode ser fascinante quanto se transformar em uma caminhada rumo ao cadafalso. Um vocábulo que se derivou do grego periplus e que se incorporou ao nosso idioma como périplo. Um périplo é uma travessia, um itinerário ou uma marcha que se desenvolve e que, em geral, regressa ao lugar de origem.

No caso de Milito, a volta ao lugar de origem pode significar a repetição de saídas traumáticas e turbulentas de vários e vários outros técnicos que o antecederam ao longo dos tempos. Aqui, há que se reconhecer que, graças a uma cultura imediatista de resultados, entranhada há muito no futebol brasileiro, muitos trabalhos foram precoce e equivocadamente interrompidos, gerando prejuízos incalculáveis e, muitas vezes, irrecuperáveis para vários clubes nacionais.

No Atletico, em particular, uma insidiosa caça às bruxas que tem como alvo preferencial e nesta ordem, jogadores e treinadores, vem sendo praticada há décadas por parte significativa de sua massa torcedora, com ou sem aval ou estímulo do comando do momento, com ou sem apoio da mídia convencional, provocada ou não, inflada ou não, pelos inimigos tradicionais.

Quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha? É o que vem acontecendo de ruim dentro de campo que tem gerado o comportamento belicoso da torcida ou são a impaciência incontrolável, a paixão irracional, a banalização da violência e a cobrança tresloucada os desestabilizadores recorrentes do time atleticano? Ou existiriam ainda outros fatores concorrendo para este futebol ruim e pouco convincente que derrubou Felipão? Ou tudo isso junto e misturado? Fico com a última hipótese.

Fenômeno destes últimos tempos, as redes sociais têm hoje um poder imensurável e avassalador, seja para o bem, seja para o mal. Nenhuma instituição/organização, pública ou privada, nenhum governo, nenhum ser humano e, claro, nenhum clube, são imunes ou passam impunes diante do que se posta ou divulga nessas plataformas.

Em uma época em que a informação e a desinformação correm o mundo em segundos e na qual a intolerância, as posições extremadas do ódio estão cada vez mais normalizados e vulgarizados, não é de se estranhar que a indústria que mais cresceu no mundo nos últimos anos é a das Fake News.

Diante deste cenário, qualquer treinador, experiente ou não, jovem ou não, estrangeiro ou não, de renome ou não, se contratado pelo Atlético, teria diante de si uma missão espinhosa, prenhe de desafios hercúleos. Se Milito está ou não lugar certo e na hora certa, ainda é cedo para dizer.

A saída de um treinador e a chegada de um substituto, independentemente de quem sejam, produzem efeitos e reações díspares. Dentro de qualquer clube há sempre quem comemore efusivamente e há sempre quem lamente profundamente. Cabe ao comando, aos funcionários que militam direta e indiretamente no futebol e, também, aos líderes do grupo, que atuem na eliminação de possíveis arestas e em prover ao novo treinador e aos auxiliares que ele trouxer as melhores condições de adaptação e de trabalho.

Felipão, curiosamente paizão e rude ao mesmo tempo, era querido e respeitado por muitos dentro clube. Suas ideias de jogo, porém, não funcionaram. Até para o mais incauto dos observadores ficou claro que havia uma dificuldade intransponível para vários atletas em assimilar os seus conceitos táticos. O veterano treinador reconheceu isso em mais de uma de suas coletivas. Claro que a recíproca era verdadeira: Scolari também não conseguiu se adaptar ao elenco atleticano.

A muitos, eu entre estes, parece que o time atleticano, independentemente de quem for escalado, está doente. Por outro lado, e, a bem da verdade e da justiça, é forçoso reconhecer que os problemas do Atlético vão muito além das dificuldades táticas enfrentadas por Felipão e antecedem à sua chegada ao Glorioso.

Uma coisa é certa: se os verdadeiros e graves problemas internos do Atlético não forem atacados de frente, enfrentados e saneados QUALQUER TREINADOR, SEJA ELE QUEM FOR, SERÁ SEMPRE UMA APOSTA. Assim, o trabalho de Milito deve ser cercado de muitos cuidados. Se de um lado, cabe ao clube dar-lhe as melhores condições de trabalho, de outro cabe à torcida abraçá-lo, deixá-lo trabalhar e jogar com o time.

Milito trouxe consigo, além de um auxiliar técnico, um profissional de preparação física, um analista de desempenho e um psicólogo. Ou seja, quatro profissionais que certamente poderão agregar bastante em suas áreas de atuação. A chegada de novos funcionários em qualquer organização e, nos clubes não é diferente, altera significativamente os paradigmas. E o Atlético se os seus dirigentes forem hábeis e inteligentes, podem tirar proveito positivo disso tudo.

O périplo de Milito que se inicia com uma decisão doméstica, porém, mítica, e com uma estreia na Libertadores, exatamente a mais importante e promissora da história da competição, terá um fim resultante daquilo que o clube e a torcida fizerem. Causa e efeito, uma regra básica da Física que o Atlético tem vivenciado de forma amarga, graças às suas infelizes escolhas. Já passou da hora do Galo e dos seus torcedores aprenderem.

Milito, seja muito bem-vindo. Ah! E que você possa trabalhar em paz.

Foto: Pedro Souza/Atlético
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Max Pereira

Atleticano e humanista. Um povocador nato. Engenheiro e Auditor Fiscal aposentado. Escritor nas horas vagas.