Lágrimas que dizem muito e poucos entendem

Lágrimas que dizem muito e poucos entendem
Zaracho, marcado por perdas de pessoas queridas, contusões e cobranças cruéis de torcedores irracionais e sem limite

As lágrimas de Zaracho durante a comemoração do segundo gol atleticano contra o Fluminense não são apenas produto da emoção de um gol, mas sim uma das mais claras demonstrações de humanidade e dor que um ser humano que vem atravessando um dos piores anos de sua vida, marcado por perdas de pessoas queridas, contusões e cobranças cruéis de torcedores irracionais e sem limite, poderia extravasar.

Dizem que no Atlético você entra funcionário e sai torcedor. O grande Fred Melo Paiva, dono de uma verve ímpar e destilando uma ironia deliciosa e ferina, parafraseou o ex -treinador alvinegro Cuca e disparou: “no Atlético você entra funcionário e sai jogador do Flamengo”, uma crítica clara e prenhe de bronca com a venda de Allan para o rubro-negro carioca e com os insistentes rumores de uma ida quase certa de Arana para a Gávea.

Por sua vez, o lateral esquerdo do Galo e da Seleção Brasileira, cuja família, foi constrangida e alvo da fúria de “torcedores” atleticanos nos camarotes da Arena durante o terrível jogo do Glorioso contra o rival azul, além de atribuir as agressões a vândalos que, segundo ele, não representam a Massa, disse, com todas as letras depois do jogo contra o tricolor carioca, que a renovação do seu contrato está bem encaminhada e que nunca pensou em deixar o Galo.

Nesse ambiente eternamente conturbado que nem mais uma vitória consegue espanar de vez os problemas que estão conturbando a vida do clube e a insatisfação de grande parte da torcida, as lágrimas ácidas e sofridas de Mathias Zaracho parecem estranhas para uns, curiosas para outros tantos, enquanto muitos talvez não tenham percebido a sua dimensão e o seu significado.

Amante do teatro lembrei-me da peça “Lágrimas amargas de Petra Von Kant”, de Rainier Fassbinder. Fernanda Montenegro (Petra) e Renata Sorrah (Karina) na montagem brasileira da peça, deram vida às principais personagens deste texto que teve a tradução do extraordinário Millor Fernandes.

Petra era uma estilista famosa, rica, sozinha e decadente, em sua busca pela redenção através do amor da vulgar Karina. Visitada e bajulada por parentes e amigos, Petra era sofrimento em carne viva. E aqueles que a rodeavam jamais conseguiam enxergar a dor que a consumia. A insensibilidade e a cegueira dela decorrente, são, desde sempre, marcas registradas do homem. Zaracho, a Petra atleticana, mostra estar experimentando desse veneno social.

O argentino que tinha sido um dos melhores em campo e, não apenas pelo lance do segundo gol de Paulinho, onde brigou e robou a bola para, em seguida, fazer um lançamento primoroso para o Rei da Arena. Lembrei-me, também, das lágrimas de R10 após fazer um gol fantástico de fora da área contra o Figueirense no Horto, em um jogo que o Bruxo arrebentou e levou o Galo a impor ao alvinegro catarinense uma impiedosa goleada de 6 x 0.

Na véspera daquele jogo, Ronaldinho tinha perdido o padrasto, a quem considerava um segundo pai. Mesmo liberado pelo clube, o astro entrou em campo, desfilou talento e magia, chorou e levou milhões de atleticanos a gargalharem de alegria. Coisas do futebol? Coisas do Atlético e, claro, daquele craque genial que batia no braço e gritava:”Aqui é Galo, Pô!”.

Quantas lágrimas de alegria e de dor eu vi serem derramadas por muitos e muitos atleticanos. Quantas lágrimas de alegria e de dor eu próprio verti por causa desse Galo maluco, bipolar, esquizofrênico, sacana e maravilhoso. Quantas vezes nós atleticanos fomos Petras. Quantas vezes outros Zarachos e outros R10’s também foram Petras na dor e nós nem percebemos.

Uma coisa é certa. Nunca foram lágrimas de carpideiras, aquelas velhas “profissionais” dos velórios de antigamente, contratadas para chorarem e darem às exéquias, ainda que artificial, um clima de dor e de compunção.

Talvez seja por isso que dizem que no Atlético você entra funcionário e sai torcedor. E com certeza que é por isso que ex-jogadores do Atlético, uns ainda em atividade, outros já inativos como atletas profissionais, adquiriram camarotes na nova casa do Galo e muitos sonham ou sonharam em vestir o manto sagrado mais de uma vez. Voltar para a casa é sempre um sonho sonhado por muitos.

É verdade que “Houve um tempo em que o vento perdeu” . E é verdade que vivemos tempos difíceis e de prognósticos sombrios. Tempos de ódio, de intolerância, de violência, tempos de guerra e tempos de incertezas e de momentos ruins para o mundo atleticano.

Tempos da mais radical e preocupante transformação da história do Galo mais famoso e mais querido do mundo. Tempos de SAF. Tempos de casa nova. Tempos de turbulências. Tempos de Atlético.

Tempos de protestos, tempos de críticas, tempos de desconfianças e de dúvidas, tempos de esperanças e, ao mesmo tempo, de desesperanças. Tempos de futebol que não enche os olhos. Tempos de Felipão?

Tempos de lágrimas para muitos, tempos de luta para outros tantos. Dizem que não adianta chorar depois que o leite for derramado. Más, uma coisa é certa: sempre é tempo de não desistir jamais.

E ainda que choremos lágrimas cujo significado e poucos ou quase ninguém consiga entender, para o atleticano é sempre tempo de acreditar. E acrescento: é sempre tempo para esperançar, i.e., de fazer por onde conquistar aquilo que se sonha e deseja.

 

Fotos: Pedro Souza/Atlético
© 2023 Mainframe Produções todos os direitos reservados

Max Pereira

Atleticano e humanista. Um povocador nato. Engenheiro e Auditor Fiscal aposentado. Escritor nas horas vagas.